"O Amor é a força mais abstrata, e também a mais potente que há no mundo"

(Mahatma Gandhi)







quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Que seja infinito enquanto dure

Desde que me foi apresentado, em algum dia no meu Ensino Fundamental, que eu me encantei pelo Soneto de Fidelidade, do Vinicius de Moraes. Foi o primeiro soneto que decorei e com certeza é o único que ainda guardo intacto na memória. Ainda assim, as duas últimas estrofes sempre me causaram grande desconforto. Questionava o poeta na minha cabeça, perguntando a ele porque a solidão teria que ser o fim de quem ama, e porque ele achava que o amor era apenas chama. Afinal, por que não poderia ser infinito pela eternidade? Não conseguia aceitar essa visão do amor, que para mim era tão limitada.
Com o tempo, brigava mentalmente com Vinicius de Moraes e Camões e argumentava que o amor de que falavam era o romântico, e não o amor verdadeiro. O que seria esse amor verdadeiro, eu não tinha certeza. Só sabia que a 1ª Carta aos Coríntios traduzia o que eu imaginava que ele pudesse ser. A minha tristeza foi tentar entender porque Renato Russo teria unido em Monte Castelo essas duas noções de amor tão distintas, da Carta e de Camões! Pensava “Renato, mas você juntou as duas coisas como se elas concordassem e se complementassem, mas elas são radicalmente distintas”!
E, assim, fui levando comigo essas noções do amor. Pensava que o amor romântico era o ideal dos que não tinham ainda aprendido a amar, e que o meu objetivo seria sempre o amor verdadeiro. Essa concepção me fez amadurecer, realmente; a olhar para o outro e enxergar a alteridade, um outro além de mim, diferente de mim, o qual procuro conhecer e compreender e para o qual procuro doar o melhor de mim. O amor então começou a estar intimamente relacionado, para mim, com a doação, o respeito, a paciência, a construção, a troca e o aprendizado.
Apesar disso, algo ainda estava desajustado: na minha concepção de amor, não havia finitude. Não era possível um amor terminar. Se terminou, é porque não era amor. E então o sofrimento da desilusão era sempre devastador. Mas afinal, se há desilusão é porque houve ilusão. E eu me perguntava: “o amor é uma ilusão? ”. E eu mesma respondia: “não, mas você constrói as ilusões. Você cria pessoas fictícias que atendem prontamente aos seus desejos e correspondem às suas expectativas, e isso não é amor”. Comecei a entender que o meu ideal de amor podia ser muito bom, mas que a minha forma de amar estava bem longe dele. Comecei a lidar com as minhas carências. Um dia elas me gritaram que eu morreria se ninguém me amasse. Um dia elas me mostraram que viver dentro de mim mesma era insuportável, e que eu precisava viver no outro, algum outro. Comecei a lidar com o meu egoísmo, o qual me separou das fontes infinitas de Amor, e o qual me faz não saber amar, nem a mim e nem aos outros.
Agora entendo que a minha recusa em aceitar a finitude do amor não vinha bem de uma posição filosófica, mas de uma resistência profunda em aceitar que o outro e as circunstâncias jamais estarão sob meu controle. Posso viver uma linda história romântica e ela acabar sem que eu queira, posso amar alguém que não me ama de volta, posso achar e desejar que seja para sempre, mas o sentimento dentro de mim mesma acabar. Acredito, e hoje aceito que minhas crenças estejam em constante metamorfose, que o amor verdadeiro seja realmente para a eternidade. Acredito que os laços criados pelo amor sejam indissolúveis, independentes de tempo e espaço. No entanto, acredito que o encontro romântico com o outro, esse encontro, do qual imagino terem falado Vinicius e Camões em seus sonetos, seja invariavelmente finito, e realmente chama.
O encontro romântico não é ilusão, mas é temporário. Dele pode surgir o amor verdadeiro, esse sim para a eternidade, mas isso não é garantia de que a união romântica seja eterna. A união ocorrerá enquanto houver troca e aprendizado. O amor sempre permanece, mas nem sempre a união. Continuo amando de forma diferente, e seguimos caminhos distintos.
O difícil é lidar com as perdas. Perda de tudo aquilo, meu, que depositei no outro. Perda de todas as crenças criadas para sustentar a ideia daquela relação. Perda do senso de completude alcançado na união, perda da esperança na felicidade. Depois de tantas perdas, podemos endurecer. Parece que para nós não é possível a felicidade com um par; parece que devemos trilhar o caminho solitários, e que se alguém aparecer – se aparecer – será apenas para aquecer o coração temporariamente, e logo partir. Tendo sido feitas todas as considerações acerca das carências e da necessidade de lidar com elas e de desenvolver o amor próprio, acredito que o desejo de uma união romântica seja completamente natural e saudável. Além disso, faz parte da minha natureza otimista acreditar que a possibilidade de uma união feliz esteja ao alcance de todos. Sendo assim, desejo que possamos recuperar tudo de nós que deixamos alhures, que possamos acreditar que o amor nos vem de diversas direções e sob diferentes formas, e que nenhuma delas nos é negada se mantivermos as portas e mente abertas. E, parafraseando Vinícius, que possamos dizer do amor (que tivemos): que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.

Links:
Soneto de Fidelidade
1ª Carta aos Coríntios 13
Amor é um Fogo que Arde sem se Ver
Monte Castelo