Desde que me foi apresentado, em algum
dia no meu Ensino Fundamental, que eu me encantei pelo Soneto de Fidelidade, do
Vinicius de Moraes. Foi o primeiro soneto que decorei e com certeza é o único
que ainda guardo intacto na memória. Ainda assim, as duas últimas estrofes
sempre me causaram grande desconforto. Questionava o poeta na minha cabeça,
perguntando a ele porque a solidão teria que ser o fim de quem ama, e porque
ele achava que o amor era apenas chama. Afinal, por que não poderia ser
infinito pela eternidade? Não conseguia aceitar essa visão do amor, que para
mim era tão limitada.
Com o tempo, brigava mentalmente com
Vinicius de Moraes e Camões e argumentava que o amor de que falavam era o
romântico, e não o amor verdadeiro. O que seria esse amor verdadeiro, eu não
tinha certeza. Só sabia que a 1ª Carta aos Coríntios traduzia o que eu
imaginava que ele pudesse ser. A minha tristeza foi tentar entender porque
Renato Russo teria unido em Monte Castelo essas duas noções de amor tão
distintas, da Carta e de Camões! Pensava “Renato, mas você juntou as duas
coisas como se elas concordassem e se complementassem, mas elas são
radicalmente distintas”!
E, assim, fui levando comigo essas
noções do amor. Pensava que o amor romântico era o ideal dos que não tinham
ainda aprendido a amar, e que o meu objetivo seria sempre o amor verdadeiro.
Essa concepção me fez amadurecer, realmente; a olhar para o outro e enxergar a
alteridade, um outro além de mim, diferente de mim, o qual procuro conhecer e
compreender e para o qual procuro doar o melhor de mim. O amor então começou a
estar intimamente relacionado, para mim, com a doação, o respeito, a paciência,
a construção, a troca e o aprendizado.
Apesar disso, algo ainda estava
desajustado: na minha concepção de amor, não havia finitude. Não era possível
um amor terminar. Se terminou, é porque não era amor. E então o sofrimento da
desilusão era sempre devastador. Mas afinal, se há desilusão é porque houve
ilusão. E eu me perguntava: “o amor é uma ilusão? ”. E eu mesma respondia:
“não, mas você constrói as ilusões. Você cria pessoas fictícias que atendem
prontamente aos seus desejos e correspondem às suas expectativas, e isso não é
amor”. Comecei a entender que o meu ideal de amor podia ser muito bom, mas que
a minha forma de amar estava bem longe dele. Comecei a lidar com as minhas
carências. Um dia elas me gritaram que eu morreria se ninguém me amasse. Um dia
elas me mostraram que viver dentro de mim mesma era insuportável, e que eu
precisava viver no outro, algum outro. Comecei a lidar com o meu egoísmo, o
qual me separou das fontes infinitas de Amor, e o qual me faz não saber amar,
nem a mim e nem aos outros.
Agora entendo que a minha recusa em
aceitar a finitude do amor não vinha bem de uma posição filosófica, mas de uma
resistência profunda em aceitar que o outro e as circunstâncias jamais estarão
sob meu controle. Posso viver uma linda história romântica e ela acabar sem que
eu queira, posso amar alguém que não me ama de volta, posso achar e desejar que
seja para sempre, mas o sentimento dentro de mim mesma acabar. Acredito, e hoje
aceito que minhas crenças estejam em constante metamorfose, que o amor
verdadeiro seja realmente para a eternidade. Acredito que os laços criados pelo
amor sejam indissolúveis, independentes de tempo e espaço. No entanto, acredito
que o encontro romântico com o outro, esse encontro, do qual imagino terem
falado Vinicius e Camões em seus sonetos, seja invariavelmente finito, e
realmente chama.
O encontro romântico não é ilusão, mas
é temporário. Dele pode surgir o amor verdadeiro, esse sim para a eternidade,
mas isso não é garantia de que a união romântica seja eterna. A união ocorrerá
enquanto houver troca e aprendizado. O amor sempre permanece, mas nem sempre a
união. Continuo amando de forma diferente, e seguimos caminhos distintos.
O difícil é lidar com as perdas. Perda
de tudo aquilo, meu, que depositei no outro. Perda de todas as crenças criadas
para sustentar a ideia daquela relação. Perda do senso de completude alcançado
na união, perda da esperança na felicidade. Depois de tantas perdas, podemos
endurecer. Parece que para nós não é possível a felicidade com um par; parece
que devemos trilhar o caminho solitários, e que se alguém aparecer – se
aparecer – será apenas para aquecer o coração temporariamente, e logo partir.
Tendo sido feitas todas as considerações acerca das carências e da necessidade
de lidar com elas e de desenvolver o amor próprio, acredito que o desejo de uma
união romântica seja completamente natural e saudável. Além disso, faz parte da
minha natureza otimista acreditar que a possibilidade de uma união feliz esteja
ao alcance de todos. Sendo assim, desejo que possamos recuperar tudo de nós que
deixamos alhures, que possamos acreditar que o amor nos vem de diversas
direções e sob diferentes formas, e que nenhuma delas nos é negada se
mantivermos as portas e mente abertas. E, parafraseando Vinícius, que possamos
dizer do amor (que tivemos): que não seja imortal, posto que é chama, mas que
seja infinito enquanto dure.
Links:
Soneto de Fidelidade
1ª Carta aos Coríntios 13
Amor é um Fogo que Arde sem se Ver
Monte Castelo