"O Amor é a força mais abstrata, e também a mais potente que há no mundo"

(Mahatma Gandhi)







segunda-feira, 4 de julho de 2016

Rascunho de Mariana II

Ela tinha uma certeza - vinda do futuro, alguns diriam da fé - de que tudo passaria. Não aquelas angústias fora de controle - porque essas já tinham passado, ao menos por agora -, mas a dor de enxergar algumas das barreiras que havia construído em seu caminho e não ter possibilidade alguma de transpô-las. Mariana sentia que seria possível, e que daria muito trabalho, desconstruir aquilo tudo. Mas estava paralisada. Tinha até uma ideia de por onde começar, mas o medo não deixava. Havia uma certa teimosia em sua recusa a começar o trabalho: é que, de fato, era ali que ela ainda estava confortável.

Rascunho de Mariana

Mariana precisava, e provavelmente sempre precisaria, daquele momento de plena liberdade em si mesma, quando podia ser a única hóspede em sua mente e em seu coração. Precisava se distanciar e estar consigo, apenas.
Naquela noite havia o farfalhar das folhas quase secas, prestes a cair das árvores, e havia também o barulho de um chuvisco intermitente. Mariana respira. Respira mais uma vez. Acha bom que não tenha mais as urgências de seus vinte anos, e que respirar seja parte de seu ritual diário e não um tratamento de emergência para suas crises de abstinência de amor.

domingo, 19 de junho de 2016

Dança com a própria sombra

É da penumbra que ela me olha.
Com os olhos perversos e sádicos me espreita.
E ela desfere inúmeros golpes. 
Nada que me impeça de continuar a andar, 
no esforço inumano que faço para fingir que ela aqui não está.
Mas ela sabe onde mirar... 
Com um sorriso ela aponta e me olha 
(eu aqui infeliz, imaginando ainda poder ileso seguir). 
Sorri e espera a próxima chance, 
prevendo o deleite do instante em que eu, combalido e demente, 
não terei forças para continuar a ignorar, simplesmente.

Mal sabe ela que eu, prevendo o final, me antecipo, e digo: 
"vem, vem que eu não vou mais ser covarde. 
Te noto, te abraço e te reconheço como de mim uma parte."

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Amigo, eu preciso te dizer: amar dói



Amigo, eu preciso te dizer: amar dói. Parece que o amor te inunda e começa a limpar tanta coisa, que você nem sabia que tava lá...

Primeiro me veio uma raiva louca, de tudo e de todos. Daí eu resolvi não brigar com a raiva: deixei ela ficar. Só não dei comida!

Depois veio um desespero, dizendo que eu tinha me agarrar a alguma coisa fora de mim pra viver. Daí eu deixei o desespero ficar também, só não deixei ele conseguir o que queria lá fora. Disse a ele que podia ficar, mas tinha que ser dentro de casa. Ele aceitou!

Depois, amigo, eu fui lembrando de algumas pessoas, e querendo ficar mais perto delas. Daí fiquei! E comecei a perceber que eu tinha machucado essas pessoas, quando tava sentindo muita dor... Daí começou a doer.

A raiva já tinha ido embora, o desespero tava bem menor, sentado quietinho lá no fundo, mas a dor veio e pintou todas as paredes com lembranças. Ela desembaçou meus óculos e foi me apontando cada desenho, pra eu sentir um pouco da dor que tinha causado. A dor parece que foi a mais compreensiva. Acho que ela queria dizer que ainda havia tempo, e que agora com o amor ela podia ter outras funções...

Olha, eu não sei não como vai continuar sendo essa coisa de amor, mas eu sei que mesmo com todas as paredes pintadas pela dor, parece que eu tô mais feliz.


domingo, 29 de maio de 2016

Olhar os outros mundos


Vejo que os corações andam endurecidos. Parece que aprendemos a nos esconder sob uma máscara de uma suposta racionalidade distante. Esta serviria, talvez, para amortecer as quedas que um coração aberto sofre no início de sua abertura, mas no fim ela acaba por impedir a própria vivência do amor. É debaixo dessa máscara que nos protegemos dos carinhos sinceros, das preocupações legítimas, dos pedidos de socorro, das dores da injustiça; assim podemos continuar marchando à busca de um algo que não sabemos muito bem o que é, mas que esperamos que um dia chegue. Talvez seja a segurança financeira, talvez o sucesso profissional, talvez seja mesmo um estado interior de paz, quando finalmente nos sentiremos seguros para amar.

Não acho que seja possível para nós, meros mortais, chegar a este estado interior de paz sem que passemos pelo aprendizado do amor verdadeiro nas relações com os mais íntimos. Não falo apenas de relacionamentos afetivo-sexuais, apesar de pensar que sejam os que mais intensamente permitam o aprendizado, mas de qualquer relacionamento: abrir o coração para o amor nas relações entre pais e filhos, irmãos, amigos e, claro, amantes.

Para começar, por que não abrir os olhos e o coração para receber um mundo diferente, desconhecido? Abrir os olhos e o coração para receber esse mundo o quanto ele próprio estiver disposto a se mostrar, sem julgamentos, classificações ou pretensões. Olhar o outro e reconhecer o outro como ele é, o quanto ele estiver disposto a mostrar e o quanto pudermos captar.

Há muitas dores e nós a serem enfrentados e desfeitos antes de podermos ser capazes de experimentar o amor mais plenamente. Amar e ser amado dói, apesar de a carência afetiva provocar tantas tempestades e tão comumente; é que é mais fácil dar e conseguir uma dose sintética e rápida de amor, que mantém o sangue aquecido, do que se dar ao trabalho de construir, com paciência, persistência e força de vontade, uma abertura que mexe profundamente com a gente.

O amor faz com que sejamos mais compreensivos e tolerantes. A discriminação por conta de orientação sexual, orientação política, etnia, gênero, etc fica no passado! Imagino que porque pessoas amorosas estejam menos propensas a projetar o mal nos outros.

Acredito que haja tempo para tudo nessa vida! Mas que possamos dar e receber mais amor, olhar com olhos mais amorosos o mundo e os mundos dos outros, enquanto vamos lentamente desfazendo os nós profundos que nos impedem de amar mais.

Namastê!

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Eu te amo
Não sei como
Primeiro eu te li
Te ouvi, te senti
Dentro de mim
E agora eu te amo
Simples assim

terça-feira, 17 de maio de 2016

Educação para o que não cabe no bolso

Mariana, cala a sua angústia. O mundo precisa girar e você não pode parar - isso é ser imatura.
Mariana, aceita. Mariana, escuta. Não dê meia volta, não fique como tonta, a ouvir os passarinhos.
Mariana, não precisa lamentar a injustiça, a fome, o ódio, a ignorância, não precisa! Tapa os olhos, que não é problema seu. Mas Mariana, se você sentir de novo aquela vontade de parar por alguns segundos, repense! Ninguém te espera.
Mariana, a vida é mesmo dura, caduca. Não há espaço para sentimentalismos, para a procura de paz, amor, cor. Não há espaço para a dor.
Mariana, aprende: a dor precisa ser mascarada. Ela te marca e te marca, e você continua sempre a andar, não para!
Mariana, uma hora acaba. Espera acabar para viver.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Como a água de um rio, que corre ligeira e refresca
Como o mar, que assusta e afoga
Como a criança, que sorri ao brincar sozinha
Como o senhor, que chora ao abraçar o compadre
Como professora que aprende
E aluno que ensina
Assim me construo, desconstruindo

domingo, 1 de maio de 2016


Em busca da essência que constitui a minha identidade, me perdi. Quais são as cores e os humores que fazem de mim eu mesma e não um outro alguém?

Considerando que eu exista apenas diante da alteridade, onde me localizar quando o limiar que me separa do mundo é tão etéreo? Seria esse limiar etéreo parte da minha identidade? Seria, então a minha identidade de essência mais volátil? Mas “mais” em relação a que ou quem?

Quem eu sou só pode ser em relação aos outros. É diante do outro que me reconheço e existo, e é na relação com o outro que me constituo. Seria isso suficiente para nos reconhecermos humanidade, interconectada e interdependente? Seria isso suficiente para igualar os movimentos cíclicos de união e separação, os quais têm pendido para a separação?

domingo, 27 de março de 2016

Quando não se sabe amar

Esmoreceu. Porque não havia madeira o bastante para manter a chama, porque não havia destreza o bastante para dispor as madeiras.
Esmoreceu, e a chuva que deu terminou de acabar. As sobras, ah, eles nem conseguem juntar! Só sabem seguir, meio cegos, à próxima chama procurar.
Esmoreceu, e o amor não nasceu. Ficou lá guardado, semente, à espera de alguém que sentisse, e crente, pudesse começar a regar.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Marinheiro

Como um bravo marinheiro, você se jogou ao mar. Talvez sem clara ideia, na cabeça, de todas as tempestades que viriam, de toda a fome e de todo o medo que sentiria, e de toda a vontade de voltar. Talvez sem clara ideia, na cabeça, de todas as maravilhas que encontraria, e de toda a vontade de nunca mais voltar.
O que eu posso garantir, é que de tudo isso o seu coração já sabia. Acho que você ainda não notou, mas ele às vezes caminha à frente e te puxa pra tudo aquilo que você precisa viver.

As despedidas e as boas-vindas são processos muito mais contínuos do que breves cerimônias. A gente demora pra se despedir das coisas, e demora pra se acostumar com as novas. Demora pra sintetizar o passado no presente.

Às vezes, sedentos, velejamos mais rapidamente e menos prudentemente, e no futuro precisaremos parar pra entender onde estamos e aonde queremos ir. De minha incipiente observação, você não parece velejador imprudente, mas uma mistura muito eficaz de audácia e sensatez. Por isso, tenho a certeza de que os ventos fortes que te levam muito em breve cessarão, e você terá tempo maior de avaliar a jornada e reposicionar as velas. Enquanto isso, acho que você pode ir seguindo no seu próprio ritmo, dentro de você (mesmo que não dê pra acelerar ou desacelerar o mundo lá fora).

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Estar aqui depois de vagar, num desespero lento e lânguido, pelas ruas fora de mim. A música, a poesia, a filosofia e a alegria que compõem as penas de minhas asas: é isso a que chamo de casa.